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Marianita Nascimento: Imortalizada no Grêmio - História do Futebol Feminino

Por Redação Sou Imortal em 15/09/2025 08:13

Na noite desta segunda-feira, o Grêmio Football Porto-Alegrense prepara-se para um momento histórico: a inclusão de Marianita Nascimento na sua Calçada da Fama. Aos 64 anos, a atual diretora do Departamento de Futebol Feminino do Tricolor será a primeira mulher a receber tal distinção em um clube de futebol no Brasil, um marco que transcende o reconhecimento individual e ecoa a luta de décadas pelo espaço feminino no esporte.

A emoção de Marianita ao integrar este seleto grupo é palpável, especialmente para alguém que carrega o Grêmio na alma. ?Até a pé nós iremos para o que der e vier. Mas o certo é que nós estaremos com o Grêmio onde o Grêmio estiver?, declamou a diretora, revelando a profundidade de sua conexão com o clube em uma recente entrevista. Mas, para além da paixão, o que exatamente eleva Marianita a uma figura tão central na história gremista e do futebol feminino nacional?

As Raízes de uma Paixão Proibida

Nascida em Porto Alegre, em 1960, e criada na zona leste da capital, Marianita cresceu em um lar onde o Grêmio era mais que um time; era um estilo de vida. Filha de Aymoré Nascimento, ex-conselheiro, e irmã de Deco Nascimento, também ex-dirigente, ela absorveu a cultura tricolor desde cedo. Contudo, seu caminho no futebol começou em um período de adversidades impensáveis: o final da década de 1970, quando a prática de esportes considerados ?incompatíveis com a natureza feminina? era oficialmente proibida, sujeitando as praticantes a multas e até prisão.

Para Marianita, o futebol não era uma opção, mas um chamado. ?Acho que é questão de sonho. As meninas que gostam, que querem, precisam se permitir. O futebol ensina a ser corajosa, a lidar com vitórias e derrotas, a crescer. Só vai viver quem se arriscar. Só vai construir sonhos quem tentar?, defende. Sua iniciação nos gramados ocorreu de forma natural, ao lado do irmão mais velho e dos ?guris? da vizinhança. A preferência pela bola, em detrimento de brinquedos mais convencionais, foi uma constante em sua infância.

?Eu aprendi a jogar futebol com meu irmão mais velho. E não é que eu trocasse as bonecas, né? Eu tinha bonecas, mas a minha preferência era sempre estar jogando. Essa relação com a bola, de dominar, de ter o controle sobre ela, sempre fez parte da minha vida?, narra. Foi nas quadras públicas do Parque Marinha do Brasil, em Porto Alegre, que Marianita encontrou outras meninas com a mesma paixão, formando um grupo. A percepção de que podiam competir em igualdade, ou até superar, os meninos, acendeu uma chama.

?Quando eu olhei e vi que a gente ganhava dos guris, eu disse: 'Olha, acho que dá pra fazer alguma coisa diferente'?. Essa constatação impulsionou a ousada ideia de formar um time feminino dentro do Grêmio . Levando a proposta diretamente ao então presidente Hélio Dourado, Marianita obteve o aval inicial, e o grupo começou a treinar. No entanto, a euforia foi efêmera. Logo veio a dura realidade: o futebol feminino era ilegal no Brasil, e o Grêmio foi penalizado.

A Luta pela Liberação e Regulamentação

?O Grêmio recebeu duas multas do CND (Conselho Nacional de Desportos). Foi um balde de água fria. A gente sabia que não tinha como continuar sendo uma coisa proibida?, relembra Marianita. Apesar do revés institucional, o movimento das ?gurias do Grêmio ? não se desfez. Elas continuaram a praticar o esporte de forma amadora e, por vezes, clandestina, mantendo viva a chama da modalidade até 1979, ano em que a proibição legal foi finalmente derrubada.

A persistência era a tônica daquele período. ?Eles devem ter pensado: 'Não adianta, a gente vai prorrogar e essas meninas vão continuar jogando, dando um jeito' e acho que foi uma luta, no país todo. Ela é validada por mim e tantas outras, além das pessoas que nos apoiavam, tinham homens também, que fizeram uma força tarefa de 'vamos lá, gurias, não desistam'. Acho que isso foi muito importante.? Com a proibição legal superada, o foco da batalha se deslocou para a regulamentação do esporte, um esforço que ganhou peso com o apoio do vereador Valdir Fraga.

Em 1981, o tema foi levado à Câmara de Vereadores de Porto Alegre, evidenciando o avanço da causa. No ano seguinte, Marianita consolidou seu papel de liderança ao integrar a comissão da Federação Gaúcha de Futebol, responsável pela elaboração do anteprojeto enviado ao Conselho Nacional de Desportos. Ela atuou como uma ponte essencial, conectando dirigentes a mais de 4.500 atletas identificadas no estado. Ainda em 1982, fundou e presidiu a Liga de Futebol Feminino de Porto Alegre, entidade que organizou o primeiro Campeonato Gaúcho extraoficial da modalidade, com seu time, o Esporte FC, sagrando-se campeão.

Pioneirismo Nacional e o Retorno Triunfal

?Eu tenho absoluta certeza que nós (as pioneiras) faríamos tudo de novo. Porque hoje nos dá gosto olhar e ver as escolas, ver meninas disputando campeonatos. Na nossa época não tivemos nada disso, mas a gente superou com a vontade de jogar futebol?, reflete Marianita, sobre o legado de sua geração. O reconhecimento de sua dedicação extrapolou as fronteiras estaduais. No mesmo ano de 1982, foi convocada para integrar a equipe brasileira em uma excursão pela Europa, coincidindo com a Copa do Mundo masculina.

A jornada europeia, que incluiu cidades como Barcelona e Sevilha, culminou no segundo lugar em um torneio internacional, atrás apenas do Esporte Clube Radar. ?Eu tive a sorte de jogar no Estádio Olímpico, que nem existe mais. Eu tive a sorte de jogar no Maracanã, nas praias de Copacabana, nos campos da Espanha. Então eu posso me considerar privilegiada, dentro de um histórico tão conturbado?, destaca, sobre as experiências em campos icônicos. O Grêmio , por sua vez, oficializou o Departamento de Futebol Feminino em maio de 1983, após articulação com o então presidente Fábio Koff.

Marianita foi a capitã da equipe que disputou o primeiro Campeonato Gaúcho oficial, conquistando o vice-campeonato. No início de 1984, sua visão empreendedora a levou a fundar o Independente FC, o primeiro clube exclusivamente feminino filiado à Federação Gaúcha de Futebol (FGF). Quatro décadas depois, o destino a trouxe de volta ao Grêmio . A convite do presidente Alberto Guerra, Marianita reassumiu a diretoria do Departamento de Futebol Feminino, liderando as ?Mosqueteiras? ao lado de Karina Balestra e Patrícia Gusmão.

Desde novembro de 2023, sua gestão tem sido marcada por conquistas significativas, como o Campeonato Estadual e a Brasil Ladies Cup em 2024. O retorno ao clube, contudo, não foi isento de desafios emocionais. ?Eu já tinha trancado tudo aqui dentro, do que eu tinha vivido lá atrás. Mas quando voltei, não tem como não passar um filme do que eu vivi há 40 anos?, confidenciou, descrevendo a complexidade de revisitar o passado. ?A volta foi uma das coisas mais difíceis que eu já enfrentei?, sublinhou.

A Imortalidade de um Legado Coletivo

A homenagem na Calçada da Fama representa, para Marianita, muito mais do que um reconhecimento individual. É a consagração de uma luta coletiva, um tributo às ?Pioneiras?, o grupo inicial de jogadoras tricolores. Desde que soube da notícia, uma onda de emoção a invadiu. ?Os pés são meus, mas tem todo um legado atrás. É difícil explicar o que isso representa. É um prêmio imortal?, expressa, reforçando a dimensão histórica do feito.

?Não só por mim, mas pelas minhas companheiras, por todo mundo que ajudou nessa luta. É o contexto geral de todas essas pessoas que proporcionaram que a gente chegasse com êxito à profissionalização do futebol no Brasil?, explicou. A cerimônia da Calçada da Fama gremista, que ocorrerá nesta segunda-feira, às 18h, imortalizará Marianita ao lado de figuras como Arce e Carlos Miguel, ex-atletas multicampeões pelo Grêmio .

A diretora conclui com uma reflexão poderosa sobre o significado pessoal e coletivo desta homenagem: ?Os meus pés estão imortalizados. Isso é muito grande. É gigante. Num clube que eu amo. É um prêmio que significa muito mais do que qualquer campeonato que eu pudesse ganhar?. Sua inclusão na Calçada da Fama não celebra apenas uma carreira, mas a resiliência e a visão de uma mulher que, contra todas as proibições, abriu caminhos para o futebol feminino no Brasil e no coração do Grêmio .

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