1. Sou Imortal

Batalha dos Aflitos: Mano Menezes Desvenda Segredos e Emoções dos 20 Anos

Por Redação Sou Imortal em 26/11/2025 12:22

Para o torcedor do Grêmio, o dia 26 de novembro transcende um simples registro no calendário; é uma data gravada na memória coletiva, um ponto de referência onde cada um pode recordar sua posição e atividade. Nesta quarta-feira, a emblemática Batalha dos Aflitos completa duas décadas, e a reverberação desse evento ainda provoca profunda emoção em um de seus protagonistas centrais: o técnico Mano Menezes.

De volta ao comando do Tricolor Gaúcho exatamente vinte anos após sua primeira passagem, o experiente treinador de 63 anos mantém viva em sua mente cada ocorrência daquele dia histórico em 2005, no estádio dos Aflitos. A recordação é tão vívida que, em entrevista exclusiva, seus olhos se enchem de lágrimas ao rememorar a magnitude do feito.

O Legado Imortal da Batalha dos Aflitos

Naquele período, Mano Menezes estava no início de sua trajetória como técnico, assumindo o Grêmio poucos meses antes, no começo da Série B. Representava o maior desafio de sua carreira, após desempenhos notáveis em clubes do interior gaúcho, com destaque para o 15 de Novembro de Campo Bom.

A estrutura de disputa da Série B daquela temporada diferia significativamente do formato atual. Inicialmente, 22 equipes se enfrentavam em turno único. As oito melhores avançavam para dois quadrangulares semifinais. Destes, os dois primeiros de cada grupo disputavam o quadrangular final, que definiria apenas duas vagas para a Série A.

O Grêmio desembarcou em Recife para o confronto decisivo contra o Náutico com a necessidade de um empate para assegurar seu retorno à elite do futebol brasileiro. Contudo, superou as expectativas, vencendo por 1 a 0 e sagrando-se campeão. Este triunfo foi alcançado em um ambiente de hostilidade extrema, superando a marcação de dois pênaltis contra, a expulsão de quatro jogadores, uma paralisação de 23 minutos por tumulto generalizado e inúmeras incertezas sobre o desfecho da partida.

Foi muito marcante nas nossas vidas. Para mim, vai ser sempre a coisa mais importante no sentido de intensidade, de emoção, que eu passei no futebol

Mano Menezes expressa a permanência dessa emoção: "Todas as vezes que eu olho as imagens da Batalha dos Aflitos, sem tirar nem por, eu me emociono. Foi muito marcante nas nossas vidas. Para mim, vai ser sempre a coisa mais importante no sentido de intensidade, de emoção, que eu passei no futebol", declara o treinador.

A Hostilidade Crescente: Relato de um Ambiente de Tensão Extrema

A dimensão das adversidades que aguardavam o Grêmio nos Aflitos tornou-se evidente para Mano Menezes desde a chegada da delegação. O ônibus que transportava a equipe ficou bloqueado no portão de acesso ao estádio, forçando os atletas e a comissão técnica a desembarcar no pátio e seguir para o vestiário em meio à torcida adversária.

Ao adentrar o espaço destinado aos jogadores, uma nova surpresa aguardava: uma parede recém-construída dividia o vestiário em duas partes, restringindo a circulação. Além disso, materiais de construção foram deixados no local, e o forte odor de tinta recém-aplicada incomodava prontamente os atletas e demais membros da delegação. Mano ainda recorda a presença de um esgoto a céu aberto em parte do vestiário. Quando a equipe tentou acessar o campo, o portão estava trancado, necessitando da intervenção policial para abrir caminho, o que causou atraso no início do jogo.

No intervalo, novas provocações se manifestaram. Uma campainha, similar às usadas em escolas para sinalizar o recreio, tocava incessantemente no vestiário gremista, dificultando a comunicação e as orientações do treinador aos seus jogadores. "Isso tudo foi criando realmente um clima de tensão, que, na minha opinião, é o grande responsável por aquela explosão no momento da marcação do segundo pênalti. Foi acumulando, acumulando, as pessoas vão se sentindo pressionadas e aí qualquer faísca acende uma fogueira", reflete o técnico.

Arbitragem Sob Suspeita: As Decisões que Inflamaram o Confronto

O contexto de pressão, na avaliação de Mano Menezes, não apenas impactou a reação dos jogadores às decisões do árbitro, mas também influenciou a atuação de Djalma Beltrami. O treinador menciona a proximidade de dirigentes do Náutico com a cúpula da polícia militar, sem citar nomes, e ressalta que Beltrami era, ele próprio, um policial militar. Recentemente, Mano encontrou-se com o ex-árbitro e teve uma conversa amigável.

"Na época, o Náutico era dirigido por pessoas muito ligadas à Polícia Militar do Recife e o árbitro era um policial militar. Nós conhecemos como funciona a hierarquia nessas repartições, nessas organizações. Então, por si só, aquilo já era uma pressão para uma pessoa. Eu tenho certeza que tudo aconteceu pela pressão", opina Mano.

O técnico questiona as marcações cruciais: "O primeiro pênalti, que foi no Paulo (Matos), não tem pênalti nenhum. Ele dobra as duas pernas no lance com o Domingos. O juiz imediatamente marca. O segundo foi muito menos. Então, é aquilo. Foi indo, foi indo, foi sendo conduzido para que as coisas tivessem um rumo, mas eu falo sempre que, naquele dia, a gente estava abençoado. Acho que a gente foi escolhido para viver aquilo", define.

Eu falo sempre que, naquele dia, a gente estava abençoado. Acho que a gente foi escolhido para viver aquilo

Os Minutos Eternos: Da Paralisia ao Gol Improvável

A marcação dos dois pênaltis, em particular, exacerbou os ânimos da equipe do Grêmio . O primeiro foi assinalado aos 31 minutos da etapa inicial, parecendo o prenúncio da celebração dos 20 mil torcedores do Náutico que lotavam os Aflitos. Contudo, o chute de Bruno Carvalho beijou a trave direita de Galatto, protagonizando o primeiro de muitos anticlímax que se seguiriam.

A intensidade da Batalha atingiu seu ápice a partir dos 30 minutos do segundo tempo. Escalona recebeu o segundo cartão amarelo e foi expulso, elevando a tensão. Aos 32, Galatto saiu do gol em uma disputa, gerando forte reclamação de pênalti. Aos 34, um chute encontrou Nunes dentro da área, resultando em um novo pênalti para os anfitriões.

A revolta dos jogadores gremistas, que vinha escalando desde a chegada ao estádio, extravasou. Domingos foi o primeiro a receber o cartão vermelho na confusão, que ganhou o ingrediente dos escudos dos policiais militares. O árbitro Beltrami também expulsou Nunes e Patrício.

Nos 23 minutos de paralisação, uma atmosfera de incerteza pairou sobre a continuidade do jogo. Dirigentes do Grêmio presentes nos Aflitos, entre eles o histórico ex-presidente Luis Carlos Silveira Martins, conhecido como Cacalo, defendiam a retirada do time do gramado. Mano, porém, era veementemente contra essa postura. "Entendo o pensamento da paixão. O problema é que ali estava eu como o responsável pelo time que estava dentro do campo. Imagina se o Grêmio tivesse saído do campo? Isso seria uma mancha histórica. O clube que se retirou de campo em um momento de decisão. Essa responsabilidade cairia maior para o treinador e para o presidente. Foi isso que eu disse ao presidente Paulo Odone quando nós conseguimos conversar", recorda o treinador.

Isso seria uma mancha histórica. O clube que se retirou de campo em um momento de decisão. Essa responsabilidade cairia maior para o treinador e para o presidente

Com a decisão de permanecer em campo tomada, e após 23 minutos, o lateral-esquerdo Ademar se preparou para a cobrança, transformando a história em uma epopeia. O pulo de Galatto foi contido, mas o suficiente para que a canela direita do goleiro de 22 anos, posicionada perto do centro do gol, afastasse o medo dos tricolores ao redor do mundo. Isso ocorreu aos quase 60 minutos do segundo tempo.

Mas o momento inimaginável ainda estava por vir. No lance seguinte ao pênalti, a bola sobrou nos pés de Anderson, já negociado com o Porto, de Portugal, e ainda com resquícios de uma lesão no tornozelo esquerdo. O jovem de 17 anos correu, pois era a única opção, e foi derrubado por Batata, que acabou expulso, diminuindo a diferença numérica em campo. Na cobrança de falta rápida, Anderson percebeu a oportunidade, invadiu a área e marcou o improvável gol da vitória.

"A gente não queria que batesse a falta. Porque era óbvio que a gente não queria que o jogo andasse. O Anderson, com a perspicácia do menino que aprende a viver com a malandragem que tem que ter para sobreviver, olhou para dentro da área e viu que os zagueiros do Náutico estavam olhando para a torcida. Ele pede para o Marcelo bater rápido. Aí quando o Marcelo bate rápido e ele conduz a bola até um pedaço, os zagueiros ainda não tinham visto. Ali naquele momento que nós sentimos pela primeira vez, depois do episódio todo, que não iria escapar a nossa subida para a Série A", relembra Mano.

Para contextualizar a sequência de eventos que culminaram na vitória gremista, apresentamos um resumo dos momentos cruciais da reta final da partida:

Minuto Evento Chave Jogadores/Equipes Envolvidos
31' (1º Tempo) Pênalti para o Náutico (perdido) Paulo Matos (sofreu), Bruno Carvalho (cobrou na trave)
30' (2º Tempo) Expulsão (2º cartão amarelo) Escalona (Grêmio)
34' (2º Tempo) Pênalti para o Náutico Nunes (sofreu)
35' (2º Tempo) Expulsões durante confusão Domingos, Nunes, Patrício (Grêmio)
Aprox. 58' (2º Tempo) Pênalti defendido Galatto (Grêmio) defende cobrança de Ademar
Aprox. 59' (2º Tempo) Gol da vitória e Expulsão Anderson (Grêmio) marca, Batata (Náutico) expulso

A Batalha Atravessa Fronteiras: De Aflitos ao Curso da UEFA

A relevância da Batalha dos Aflitos transcendeu as fronteiras nacionais e o próprio universo do futebol brasileiro. Mano Menezes, durante o primeiro semestre de 2015, participou de um curso Uefa Pro, um período de aprofundamento em estudos táticos e estratégicos. Em uma das aulas, a partida histórica foi citada como um exemplo notável de superação.

O treinador brasileiro, então, revelou sua participação, identificando-se como o técnico do Grêmio naquele confronto. A confissão surpreendeu e gerou grande curiosidade entre os colegas de curso, transformando o jogo em um dos principais tópicos de discussão. "Eles pediram para que eu falasse sobre esse jogo. Ficaram muito admirados. Primeiro, porque eu era o treinador daquele jogo. Eles já tinham ouvido falar muito do jogo, mas não tinham feito ainda a relação que aquele treinador que estava fazendo o curso junto com eles. Então, fui dizer a eles como o time ficou taticamente", conta Mano com um sorriso.

Ele enfatiza o impacto pedagógico do evento: "Muitos deles já haviam usado esse episódio como motivação. Por isso que eles pediram para falar sobre o jogo. A gente falou muito sobre isso mesmo, de não desistir, da capacidade de superação que você tem que ter. Se aquele episódio foi possível, todos os outros são", destaca. Com quatro jogadores a menos, Mano ajustou a formação, posicionando Lucas Leiva como lateral-direito e completando a linha defensiva com Marcelo Oliveira, Pereira e Marcelo Costa. À frente, atuavam Sandro Goiano e Anderson. "A bola caiu no pé do Anderson e ele saiu correndo. Não porque queria atacar. Ele saiu correndo porque não tinha ninguém para passar a bola", detalha o técnico sobre a jogada do gol.

Histórias e Sacrifícios: Os Bastidores de uma Conquista Memorável

Um momento particularmente tocante emocionou Mano Menezes durante a entrevista. O comandante gremista recordou um abraço de Túlio Macedo, então vice-presidente de finanças e figura histórica na direção do clube, especialmente em 1983, ano das conquistas da Libertadores e do Mundial. Conhecido por sua abordagem racional e focada em números, Túlio Macedo chorou ao abraçar Mano. "Nós estávamos ali para conseguir a sobrevivência do Grêmio . O momento era muito difícil. Eu conto sempre que o seu Túlio foi se despedir de mim na ida e, quando ele me abraçou, ele chorou. Era um dirigente do Grêmio que estava ali falando o que valia aquele nosso jogo", relata.

Em uma palestra antes da partida decisiva, Mano Menezes fez questão de lembrar as grandes conquistas do Grêmio alcançadas longe do conforto do Estádio Olímpico. A Libertadores de 1995 em Medellín, a Copa do Brasil de 1997 no Maracanã e o Brasileirão de 1981 no Morumbi foram os exemplos citados. E, estrategicamente, um espaço em branco foi deixado para a Batalha dos Aflitos, como um desafio a ser preenchido pela equipe.

Outro episódio marcante da campanha gremista envolveu o jovem Anderson. Peça fundamental do time, o meia retornou da seleção sub-17 com uma lesão no tornozelo direito, tendo inclusive recebido a Bola de Ouro daquela competição de muletas. Como Anderson ainda não estava totalmente recuperado para o jogo contra o Santa Cruz no Olímpico, Mano decidiu mantê-lo no banco de reservas, como um trunfo a ser utilizado se necessário. O treinador, contudo, queria evitar a pressão da torcida por sua entrada.

Mano Menezes utilizou o meia Luis Fernando no banco, apesar de ele não ter assinado a súmula da partida. Anderson, por sua vez, permaneceu "escondido" na concentração, sendo acionado apenas nos minutos finais, pois aquele seria o último jogo do jogador no Olímpico. "Estava 2 a 0. Minha ideia não era colocar o Anderson para não expô-lo. E também não falar sobre... O fato ia passar batido. Só que aí alguém falou 'olha, Mano, esse pode ser o último jogo do Anderson como jogador do Grêmio no Olímpico'. Aí colocamos ele nos últimos minutos. Os que não descobriram o fato ficaram muito bravos. Alguns muito bravos", relata.

"Ele (Anderson) sempre foi um cara de muito caráter. Até nesse episódio, assim, que as pessoas tentaram jogar ele contra a gente, teve um caráter como é o caráter das grandes pessoas. E entendeu perfeitamente o que tinha acontecido", acrescenta o treinador.

Estratégias Inusitadas: Foguetório e a Troca Secreta de Hotel

Antes da Batalha dos Aflitos, outros eventos singulares pontuaram a trajetória do Grêmio na Série B, evidenciando a intensidade da competição. A troca secreta de hotel em Recife é um desses exemplos notáveis.

Antes do confronto decisivo com o Náutico, o Grêmio havia enfrentado o Santa Cruz em dois quadrangulares. No segundo embate, em outubro de 2005, esperava-se uma retaliação ao foguetório que a equipe pernambucana havia enfrentado em Porto Alegre. Apesar de o Santa Cruz ter se hospedado fora da capital gaúcha, torcedores gremistas alugaram uma chácara para disparar fogos de artifício nas proximidades do local.

Já prevendo uma provável represália em solo pernambucano, o Grêmio adotou uma estratégia incomum. A delegação chegou a um hotel em Recife, realizou o check-in e, após o último lanche, por volta das 22h, partiu para pernoitar em outro local, em Cabo de Santo Agostinho, nas imediações da capital. Tudo para garantir o descanso e fugir do barulho esperado. "Quando chegamos no hotel do Recife, me lembro direitinho que chegaram dois ônibus da CVC com pessoas de idade para se hospedar. Eu olhei para aquelas pessoas e disse: 'Coitados, não vão dormir essa noite'. E veio realmente foguete até de jangada, né?', relembra Mano com bom humor.

Curtiu esse post?

Participe e suba no rank de membros

Comentários:
Ranking Membros em destaque
Rank Nome pontos